A verdade é que estive além da fossa,
além dessa coisa autodepreciativa de paixão não correspondida.
Estive além da solidão, além de sentir só, além de sentir-se ninguém.
Estive gestante.
Estive, sim, carregando um parasita, recebendo olhares de piedade e bençãos de enfermo. Vendo a condenação e o preconceito nos olhos dos meus. Estive doente.
Num saguão áspero, senti que o parasita queria mais, minhas pernas tremiam. Tive medo, pavor, desespero. Enquanto aguardava, ali, sozinha e abandonada pelos meus, por uma simples atenção médica, ouvindo berros de outras pobres fêmeas, berros estes que me irritaram profundamente, me vi alçando voo.
Como no vai-e-vem de um balanço, ora sentia a brisa de alguma campina, ora sentia o forte cheiro de álcool cetílico e aço cirúrgico; ora uma garoa breve molhava-me os lábios, ora suor frio percorria-me a espinha.
E quando finalmente, estava pronta para me entregar a insanidade que me acompanhou pelas quarenta e uma semanas de hospedeira, quando não me restou mais nenhuma força para manter a máscara de fêmea absoluta, e as lágrimas lavavam meu rosto, ouvi alguém dizer: ESTA NASCENDO! CORRAM!
E naquele momento fui coberta pelo manto da vergonha.
O parasita deveria ser muito repugnante. O tiraram rapidamente de perto de mim, só consegui ver a sua falta de cor, era quase translúcido. Ergui a cabeça. Havia muitas pessoas ao meu lado, não havia nenhum rosto amigo, não as conhecia. Apenas pessoa frias, robotizadas, habituadas a tal procedimento.
Perguntaram-me muitas coisas que eu não entendia, me espetaram agulhas, e me deixaram, novamente sozinha. Apenas ouvindo as máquinas e aquele foco intimidante enorme evidenciando a minha fragilidade.
Quinze minutos.
Quinze minutos de me conter para não acabar com aquilo ali mesmo
(afinal, eu não seria mais a mesma).
Quinze minutos de agonia e choro contido.
Ouvi passos e um choro esquisito, faminto, sedento. Um pranto que eu entendia, e como entendia. Era desesperado, inquieto, cheio de medo de tudo o que o cercava, medo de não ter ninguém ali que o acalentasse. Aquilo me toca profundamente. Eu entendia o que ele queria. Finalmente, sentia que poderia ser útil.
E quando dei por mim, lá estava eu, segurando firmemente o meu parasita enquanto o mesmo me sugava ferozmente, e entre grunhidas e aqueles dedinhos segurando os meus como se nunca mais fosse soltá-los, senti o que é amor incondicional. E então eu o amei, amei mesmo com meus seios sangrando, meu corpo rasgado, o julgamento dos meus, a certeza de que a solidão será minha eterna companheira e com a dor diária de amar.
4 comentários:
Vocês mulheres carregam esse dom. Dom de amar e ser amada por um elo infinito.
Não tenho tempo de ir ao meu canto de escritos tolos e escondidos...
Pude invadir o teu e adentrar em teu universo, em teu mundo e em tua solidão, boba e bela solidão.
Vejo em teus olhos o brilho desse amor, o brilho dessa paz perturbadora que agora toma tua mente e explode em teu sorriso.
É estranho como estou sorridente com esse seu texto, como achei diferente. Na verdade, você está certa: A partir daquele momento você não foi, não é e não serás a mesma. Teu coração agora bate em outro ritmo, em outro canto, em outro corpo.
Tuas lágrimas já não caem ao chão, agora molham uma pequena semente e são acolhidas no seio de um Pequeno Estrela... Estrela, sim a nossa Estrela.
O brilho dessa Estrela, do seu Parasita, te transubstanciou numa mulher completa... Não, tu nunca fostes uma mulher completa, não até aquele momento do choro totalmente conhecido sendo novo.
Desculpe as discordâncias e a má escrita, afinal as invasões nunca são perfeitas.
Agora, começou tua missão, o que aconteceu antes, rs, foi somente um treinamento. Agora a luta começou. Afinal, não pode haver guerras e batalhas sem que haja um motivo, e agora, você tem O Motivo. Uma Estrela.
Ele te ama, ame-o, abrace-o, cuide-o, porque eu te garanto: Ele sempre te amará, guardará e te cuidará;
As tuas lágrimas são agora regadas, sim: Lágrimas regadas.
Regadas por um puro e singelo amor, uma amor desinteressados, uma metáfora do Amor... Uma metáfora perfeita em sua essência: Mantenha-a!
Te amo e amo-o como nunca...
Dos seu irmão invasor, do seu guardião amador, do seu amigo, Eu.
(Emerson Zion)
Bonito e forte texto... me incomoda apenas o nome parasita... mas enfim, é um texto punk!
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